30.8.07

De quem nos ama, esperamos, sobretudo um pouco de tempo.

[Georges Bernanos]

26.8.07


O que era isso,
que a desordem da vida podia
sempre mais que a gente?


[João Guimarães Rosa em, Grande Sertão, Veredas]

25.8.07

Porque a vida
É sempre o que nós queremos.
- Não rias.
Nem penses que vou brincar.
E se ela nos surpreende
Às vezes com alguma coisa, crê-me.
É unicamente
Porque a nós mesmos,
Raras vezes,
Afirmamos em verdade
O que em verdade queremos.

[António Botto]

22.8.07

O tempo que você gosta de perder não é tempo perdido

[Bertrand Russell]

20.8.07

A raiz da pele

Guardo na raiz da pele
os gritos, as emoções,
os desesperos, os medos,
a raiva, o ódio, a perfídia,
os sonhos, as frustrações,
as cicatrizes das feridas
que a vida em mim foi abrindo,
os mistérios, os segredos.

Guardo na raiz da pele
a verdade do que sou.
Deixo que à flor da pele
emirja a máscara, o sorriso,
o jogo de gato-e-rato
onde, estando, nunca estou.

[A raiz da pele, Guilherme de Melo]

19.8.07

A gente é monogâmico
só quando o amor está bom demais.

[Roberto Freire]

18.8.07

Por ter medo, nunca tentava.
Quando tentou, não deu certo.
Sendo assim, desistiu para sempre,
Só sobrou o medo
Porque o medo foi o único que não o deixou.

[Desconheço o autor]


17.8.07

Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale à pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- Sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale à pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

[Dois e dois: quatro, Ferreira Gullar]

16.8.07

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
Nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
Nem o sorriso para os infelizes
Nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
Nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
O nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
A idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
Vigiados pelos próprios olhos
Severos conosco, pois o resto não nos pertence.

[É preciso não esquecer nada, Cecília Meireles]

15.8.07


Anatomia é uma coisa que os homens também têm,
mas que, nas mulheres, fica muito melhor.

[Millôr Fernandes]

14.8.07

Minha solidão não tem nada a ver com a
presença ou ausência de pessoas…
Odeio quem me rouba a solidão
sem em troca me oferecer verdadeira companhia.

[Nietzsche]

13.8.07


Se você não se atrasar demais
posso te esperar por toda a minha vida.

[Oscar Wilde]

12.8.07

Amor de pai

Existe algo ilimitado no amor de um pai,
algo que não pode falhar,
algo no qual acreditar
mesmo que seja contra o mundo inteiro.
Nos dias da nossa infância,
gostamos de pensar
que nosso pai tudo pode;
mais tarde,
acreditaremos que seu amor
pode compreender tudo.

[Desconheço o autor]

11.8.07

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa adormecida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num
ritmo tristonho...
Óh! Meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz a gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

[Quem ama inventa, Mario Quintana]

10.8.07

Resíduo

De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficam poucas
roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.

Mas tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
de teu áspero silêncio
um pouco ficou um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
nos pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
em pouco de mim algures?
no consoante?
no poço

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.

Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,

salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo fica um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
do vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas tudo, terrível, fica um pouco.
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço do cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate


e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,

fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

[Resíduo, Carlos Drummond de Andrade]

9.8.07

Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis
onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos,
o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso,
a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios,
minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu
no dicionário as palavras que poderiam
se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso:
pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios:
meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro,
o aquecedor de água de fogo morto,
mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia,
estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta,
cabelo caindo nos olhos,
botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos,
e que riscava os livros,
mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo,
com os primos que tudo
sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher,
sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras,
comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo
os morros regulares, cortados pelas
barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava
por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio,
os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra,
as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte.


[Joaquim em Os Três Mal-Amados, João Cabral de Melo Neto]

8.8.07

Ai, se eles me pegam agora

Ai, se mamãe me pega agora de anágua e de combinação
Será que ela me leva embora ou não
Será que vai ficar sentida, será que vai me dar razão
Chorar sua vida vivida em vão

Será que faz mil caras feias, será que vai passar carão
Será que calça as minhas meias e sai deslizando pelo salão
Eu quero que mamãe me veja pintando a boca em coração
Será que vai morrer de inveja ou não

Ai, se papai me pega agora abrindo o último botão
Será que ele me leva embora ou não
Será que fica enfurecido será que vai me dar razão
Chorar o seu tempo vivido em vão

Será que ele me trata à tapa e me sapeca um pescoção
Ou abre um cabaré na lapa e aí me contrata como atração
Será que me põe de castigo será que ele me estende a mão

[Ai, se eles me pegam agora, Chico Buarque]

7.8.07

Cantiga para não morrer

Quando você for embora
Moça branca como a neve,
Me leve.

Se acaso não possa
Me carregar pela mão,
Menina branca de neve,
Me leve no coração

Se no coração não possa
Por acaso me levar,
Moça de sonho e de neve,
Me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
Por tanta coisa que leve
Já viva em seu pensamento,
Menina branca de neve,

Me leve no esquecimento.

[Cantiga para não morrer, Ferreira Gullar]

6.8.07

Confissão

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

[Confissão, Mario Quintana]

3.8.07

Alice no País das Maravilhas



- Mas eu não quero me encontrar com gente louca.
Observou Alice.
- Você não pode evitar isso. Replicou o Gato.
- Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco, você é louca.
- Como sabe que eu sou louca? Indagou Alice.
- Deve ser. Disse o Gato. Senão não teria vindo aqui.


[Alice no País das Maravilhas,
Lewis Carrol]