31.12.07

No ano que vem

No ano que vem
vou fazer um check-up,
reformar os meus ternos,
vou trocar os meus móveis
viajar no inverno.
Como convém.

No ano que vem
vou tratar dos meus dentes,
vou limpar o porão
procurar novo emprego
e trocar o meu carro
e largar o cigarro.
Como convém.

E vou me converter
no ano que vem
registrar a escritura,

vou pagar a promessa
e andar mais depressa

e fazer um regime
neste ano que vem.
Como convém.

No ano que vem
vou pagar minhas dívidas,
apagar minhas dúvidas,
viajar para a França,
estudar esperanto
e escrever pra você.
Como convém.

Se não der, no entanto,
neste ano que vem,
vou deixar de cobrança
do que fiz ou não fiz.
Neste ano que vem,
quero, como convém,
ser, apenas, feliz.

[No ano que vem, Sérgio Antunes]

25.12.07

Poema de Natal



Para isso fomos feitos:
Para lembrar e sermos lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre os túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não se esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos imensamente.


[Poema de Natal, Vinícius de Moraes]

22.12.07

É verão...

Assim é o verão
Dez por cento de roupa
Noventa de excitação.

[Luiz Poeta]

21.12.07

Vontade de percorrer o teu sorriso,
nem que seja só com o olhar.

20.12.07

A alma dos diferentes


Ah, o diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser.

Esse é um imitador do que
ainda não foi imitado,
nunca um ser diferente.

Diferente é quem foi dotado
de alguns mais e de alguns menos em hora,
momento e lugar errados para os outros.

Que riem de inveja de não serem assim.

E de medo de não agüentar,
caso um dia venham a ser.
O diferente é um ser sempre
mais próximo da perfeição.

O diferente nunca é um chato.
Mas é sempre confundido
por pessoas menos sensíveis e avisadas.
Supondo encontrar um chato
onde está um diferente,
talentos são rechaçados;
vitórias, adiadas;
esperanças, mortas.

Um diferente medroso, este sim,
acaba transformando-se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.

Os diferentes muito inteligentes
percebem porque os outros
não os entendem.

Os diferentes raivosos
acabam tendo razão sozinhos,
contra o mundo inteiro.

Diferente que se preza entende
o porquê de quem o agride.

Se o diferente se mediocrizar,
mergulhará no complexo de inferioridade.

O diferente paga sempre o preço de estar
- mesmo sem querer -
alterando algo, ameaçando rebanhos,
carneiros e pastores.
O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual,
a inveja do comum, o ódio do mediano.

O verdadeiro diferente
sabe que nunca tem razão,
mas que está sempre certo.

O diferente começa a sofrer cedo,
já no primário, onde os demais, de mãos dadas,
e até mesmo alguns adultos,
por omissão, se unem para transformar
o que é peculiaridade e potencial
em aleijão e caricatura.
O que é percepção aguçada em:
“Puxa, fulano, como você é complicado”.
O que é o embrião de um estilo próprio em:
“Você não está vendo como todo
mundo faz?”

O diferente carrega desde cedo apelidos
e marcações os quais acaba incorporando.
Só os diferentes mais fortes do que o mundo
se transformaram (e se transformam)
nos seus grandes modificadores.

Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais
começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona
enquanto todos em torno,
agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco;
chora onde outros xingam;
estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem.
Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.

Diferente é o que fica doendo
onde a alegria impera.
Aceita empregos que ninguém supõe.
Perde horas em coisas que
só ele sabe importantes.
Engorda onde não deve.
Diz sempre na hora de calar.
Cala nas horas erradas.
Não desiste de lutar pela harmonia.
Fala de amor no meio da guerra.
Deixa o adversário fazer o gol,
porque gosta mais de jogar do que de ganhar.

Ele aprendeu a superar riso,
deboche, escárnio,
e consciência dolorosa de
que a média é má porque é igual.

Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados,
magros demais, inteligentes em excesso,
bons demais para aquele cargo,
excepcionais, narigudos, barrigudos,
joelhudos, de pé grande, de roupas erradas,
cheios de espinhas, de mumunha,
de malícia ou de baba.

Aí estão, doendo e doendo,
mas procurando ser,
conseguindo ser,
sendo muito mais.

A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes
que eles guardam para os pouco capazes
de os sentir e entender.
Nessas moradas estão
tesouros da ternura humana.
De que só os diferentes são capazes.

Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte
para suportá-lo depois.

[A alma dos diferentes, Artur da Távola]

19.12.07

Ensinamento

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
"coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

[Ensinamento, Adélia Prado]

18.12.07

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que acharem conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto, tudo e todos...
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar o meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua tocha
Sim, eu estarei aqui.

[Leminski]

17.12.07

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

[Os poemas, Mario Quintana]

16.12.07

São de nada
tempestades
ante a falta
que me fazes

[David Mourão Ferreira]

15.12.07

Deus te proteja pela onda de alegria
que me invade todo o dia quando encontro com você...

14.12.07

Um excesso de vez em quando é bom.
Impede a moderação de se tornar um hábito.

[Somerset Maugham]

13.12.07

Não vejo por que não começaria, arbitrariamente, por mostrar que a propósito das coisas mais simples é possível fazer discursos infinitos, inteiramente compostos de declarações inéditas, enfim, que a propósito de qualquer coisa não só ainda não se disse tudo, mas praticamente tudo está por dizer.

[Francis Ponge]

12.12.07

Da arte do ócio...

Gosto da palavra "indolência"!
Dá classe à minha preguiça.

[Bern Williams]

11.12.07

Quero me casar

Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho

Depressa, que o amor
não pode esperar!

[Quero me casar, Carlos Drummond de Andrade]

10.12.07

A arte de ler

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha.
Neste
momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

[A arte de ler, Mario Quintana]

9.12.07

O objeto amado me surge como por engano
e nunca sei se esse engano persiste,
porque o amor que me invade
sempre ultrapassa o que amo.

[Antonio Carlos Mattos]

8.12.07

A Vida, segundo Niels Lyhne

I
A verdade é que a vida não vale lá grande coisa, não achas?

- Ah! Não sei... A mim não me preocupa o seu valor. Em geral, ninguém vive realmente a sua vida. A maior parte do tempo a gente apenas existe.

II
Há homens que vivem como se viver fosse a coisa mais natural do mundo.


[Trechos de carta a Edvard Brandes, escrita por Jacobsen em 14 de março de 1873 - Jens Peter Jaconsen, Niels Lyhne, p. 209 e p.7, respectivamente (Cosacnaify)]

7.12.07

As pessoas nos ganham e nos perdem
pelo simples fato de nos surpreenderem.

[Karen/Heny]

6.12.07

Eu sempre amarei a falsa imagem que tive de você.

[Ashleigh Brilliant]

5.12.07

Sabe de que material somos feitos?
Do mesmo que compõe os nossos sonhos.

[Romeu e Julieta, Shakespeare]

27.11.07

Nunca chegamos realmente a crescer, só aprendemos a nos comportar em público.

[Bryan White]

26.11.07

Eu sofro de mimfobia tenho medo de mim mesmo
Mas me enfrento todo dia.

[Millôr]

25.11.07

Todos os dias que passam
sem que passes por aqui,
são dias que me desgraçam,
por me privares de ti.

[Fernando Pessoa]

24.11.07

Daqui a cinco anos você estará
bem próximo de ser a mesma pessoa que é hoje,
exceto por duas coisas:
os livros que ler
e as pessoas de quem se aproximar.

[Charles Jones]

23.11.07


Nada é pequeno no Amor.

Aqueles que esperam por grandes ocasiões
para demonstrar a sua ternura não sabem amar.

[Desconheço o autor]

22.11.07

As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas...
Nada lhes ficou
Nada lhes sobrou.
Uma vida não basta apenas ser vivida:
também precisa ser sonhada.

[Mário Quintana]

21.11.07

A metade de nossos erros na vida vem
do fato de que sentimos quando deveríamos pensar
e pensamos quando deveríamos sentir.

[Lhurton Colline]

20.11.07

Se um dia alguém fizer com que
se quebre a visão bonita que você tem de
si, com muita paciência e amor reconstrua-a.
Assim como o artesão recupera a
sua peça mais valiosa que caiu no chão,
sem duvidar de que aquela
é a tarefa mais importante,
você é a sua
criação mais valiosa.
Não olhe para trás
Não olhe para os lados.
Olhe somente para dentro, para
bem dentro de você e faça
dali o seu lugar de descanso
conforto e recomposição.
Crie este universo agradável para si e seja feliz.
O mundo agradecerá o seu trabalho.

[Brahma Kumaris]

18.11.07

A estupidez é infinitamente mais fascinante que a inteligência.
A inteligência tem seus limites, a estupidez não.

[Claude Charol]

15.11.07

Os provérbios são sempre chavões
até você experimentar a verdade contida neles.

[Aldous Huxley]

12.11.07


Existem pessoas que a gente não esquece nem se esquecer...

11.11.07

Mas já que se há de escrever,
que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.

[Clarice Lispector]

10.11.07

O amor é um castigo.
Somos punidos por não termos podido permanecer sós.

[Marguerite Yourcenarou]

9.11.07

Monotonia


É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
num só tic tac,em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia...
E a própria dor - Quem diria?-
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma...
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba...
Ai que vida tão comprida...
Se não houvesse a morte, Maria
Eu me matava!

[Monotonia, Mario Quintana]

5.11.07

O Anarquista

O anarquista que há em mim se junta com o
ingênuo que há em você e propõe:
“vamos fazer uma república utópica?”.
O princípio da realidade passa com a sirene aberta,
pára e nos autua em flagrante.

[Alex Polari]

1.11.07

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você
Assim como o oceano Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim

E eu não existo sem você

[Eu não existo sem você, Tom Jobim e Vinícius de Moraes]

31.10.07

Balada dos casais

Os casais são tão iguais, por isto se casam e anunciam nos jornais.
Os casais são tão iguais, por isto se beijam fazem filhos, se separam prometendo não se casarem jamais.
Os casais são tão iguais que além de trocar fraldas, tirar fotos, acabam se tornando avós e pais.
Os casais são tão iguais que se amam e se insultam e se matam na realidade e nos filmes policiais.
Os casais são tão iguais que embora jurem um ao outro amor eterno sempre querem mais.

[Balada dos casais, Affonso Romano de Sant'Anna]

30.10.07

Avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar.

[Emmanuel Kant]

29.10.07

Nunca te libertes dos teus fantasmas, porque há sempre alguém para te oferecer os dele.

[Charles de la Folie]

28.10.07

A hora íntima

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbado, corará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar as pétalas?
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Po motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu morrer de amores?

[A hora íntima, Vinícius de Moraes]

26.10.07

Apenas adie até amanhã
aquilo que você quiser morrer e deixar sem fazer.

[Pablo Picasso]

24.10.07


Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.

[Millôr Fernandes]

22.10.07

Açúcar emprestado

Vizinhos de porta, ele o 41 e ela o 42.
Primeiro lance: ela. Bateu na porta dele e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim.
Segundo lance: ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era co-autor.
Terceiro lance: ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito para não derramar a calda.
- Não repara a bagunça...
- O meu é pior.
- Você mora sozinha?
Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois de se mudar. A do 42? Dona Celinha? Mora sozinha. Morava com a mãe mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco... E o porteiro fizera um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco.
A conversa começou com apresentações e troca de informações - "Nélio", "Celinha", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também" - e continuou enquanto comiam todo o pudim, que estava ótimo. Mas quando ela disse "Como a gente se entendeu bem, né?", cobrindo a mão dele com a dela, ele decidiu dar um lance preventivo e declarou que não queria envolvimentos em sua vida. Queria ser um homem sem envolvimentos. Entende? Sua decisão de vida era não ter envolvimentos.
- Como, envolvimentos? - perguntou ela.
- Envolvimentos - explicou ele.
Antes de sair, com a cara amarrada, ela disse:
- Me empresta uma gilete?
- Gilete? Eu não uso gilete.
- Não faz mal, eu tenho em casa.
E saiu, pisando firme e sem olhar para trás.
Uma hora depois, bateu na porta.
- Esqueci o prato do pudim.
Ele viu que ela tinha cortado os pulsos. O sangue pingava nas lajes do corredor.
- O que é isso?!
E todo o tempo, enquanto ele estancava a sangueira da melhor maneira possível, e a colocava no seu carro, e a levava em disparada para o hospital, ela só repetia:

- Ué, não era você que não queria envolvimentos? Não era você?

[Luís Fernando Veríssimo, Açúcar emprestado]

19.10.07

Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.
[Mário Quintana]

18.10.07

O papel está hoje com uma abominável falta de imaginação.
Continua, apenas, olhando-me: vazio,
mais quadrado do que nunca.
[Mário Quintana]

16.10.07

Os piores amigos são os que aplaudem sempre.

[Tácito]

10.10.07

Até a cor do arrependimento desbota com o tempo.

[Carlos Drummond de Andrade]

9.10.07

Ambigüidade

Se são bons os meus poemas?
Não saberia dizer
Tudo vai depender do ambiente onde eles forem viver.

[José Carlos Batista de Pilar]

8.10.07

Canções do mundo acabado

Meus olhos andam sem sono
Somente por te avistarem
de uma tão grande distância

De altos mastros ainda rondo
tua lembrança nos ares
O resto é sem importãncia

Certamente não há nada
de tí, sobre este horizonte
desde que ficaste ausente

Mas é isso que me mata
Sentir que estás não sei onde
mas sempre na minha frente

Não acredites em tudo que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante

Quando não parece, é muito
quando é muito, é muito pouco
e depois nunca é bastante

Foste o mundo sem ternura
em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua

Água salgada me escuta
e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua,

A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar

Por que o tempo sempre foi
longo pra me esqueceres
e curto pra te amar...

[Canções do mundo acabado, Cecília Meireles]

4.10.07

Certos Amigos

Uma canção linda, a melodia delicada tenta expressar o sentimento indescritível que possuem cada uma dessas palavras, composta por Daniel Lucena.


Quando esse trem de alegria vara a vida da gente
sempre que a estação mais perto é o nosso coração
difícil se saber na hora o que a gente sente
Se certos amigos nos mostram que o mundo ainda é bom
Por saber,

Que tendo você do meu lado eu me sinto mais forte
Quero beijar o teu rosto e pegar tua mão
Se cada estrela no céu é um amigo na terra
A força do acaso do encontro é uma constelação
Lumiar,

De que planeta você é?
Eu faço o que você quiser em troca do teu amor
Posso te dar o que eu sou, amigo é um cobertor
Bordado de estrelas, de estrelas.

Constelação, nave louca
A vida é pouca e o que vale é se querer

[Certos Amigos, Daniel Lucena - Expresso Rural]

2.10.07

Amizades são coisas frágeis, e requerem muito mais cuidado
que todas as outras coisas frágeis que existem.

[Randolph S. Bourne]

1.10.07


O que nos une é muito maior e
mais importante do que aquilo que nos separa.

30.9.07

Buscas a perfeição?
Não sejas vulgar.
Autenticidade é muito mais difícil.

[Mário Quintana]

29.9.07

Podemos às vezes
ofender com palavras,
mas também podemos
ofender muito mais
com o silêncio.
Nenhum insulto pronunciado
jamais feriu tão profundamente,
como a ternura que esperamos
e não recebemos.
Ninguém jamais se arrependeu
tão amargamente de uma
indiscrição pronunciada,
como das coisas que
deixou de dizer.

[Jan Struther]

28.9.07

Fermina Daza estava na cozinha a provar a sopa do jantar quando ouviu o grito horrorizado de Digna Pardo e o alvoroço da criadagem e logo o da vizinhança. Atirou a colher para o lado e tentou correr como podia com o invencível peso da sua idade, aos gritos como uma louca sem saber ainda o que é que se passava sob os ramos da mangueira, e o coração partiu-se-lhe ao ver o seu homem estendido ao comprido na lama, já morto em vida, mas resistindo ainda um último minuto ao golpe final da morte para dar-lhe tempo a chegar. Chegou a reconhecê-la no meio da confusão, através das lágrimas da dor única de morrer sem ela, olhou-a pela última vez para todo o sempre, com os olhos mais luminosos, mais tristes e mais agradecidos que ela jamais lhe vira em meio século de vida em comum, conseguindo dizer-lhe com o último suspiro:
- Só Deus sabe quanto te amei.

[Gabriel García Márquez em, O amor nos tempos do cólera]

27.9.07

Amanhã

Não me digam que espere, eu quero já.
Cedo era ontem, amanhã é tarde.
Capitão de navios que já não há,
não vou deixar que o tempo me deserde.
Portanto, agora!
Hoje é que eu sou no gume da navalha.
Todo o minuto de outra hora
é a margem-viagem que me falha.
Já é que eu sou – e não me peçam nada
para amanhã, que é tarde.
Larguei todo o meu pano à madrugada,
não vou deixar que o tempo me deserde.

[Amanhã, Torquato da Luz]

26.9.07

Conselho

Sê paciente, espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

[Eugénio de Andrade]

25.9.07

Promessas e bolachas foram feitas para serem quebradas

[Jonathan Surift]


24.9.07

Convém não facilitar com os bons,
convém não provocar os puros.
Há no ser humano, e ainda que nos melhores,
uma série de ferocidades adormecidas.
O importante é não acordá-las.

[Nelson Rodrigues]

23.9.07

É Primavera...


Quando a primavera acontece
até o botão do casaco floresce.

[Retta]


22.9.07

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
- é uma questão de vida ou morte -
será arte?

[Traduzir-se, Ferreira Gullar]

21.9.07

Se quiser compreender uma pessoa e conhecer-lhe a alma não preste atenção à sua maneira de calar, ou de falar, ou de chorar, ou de emocionar-se com as idéias mais nobres. Olhe antes para ela quando ri. Pois aí está toda a nobreza e espírito sublime, o riso é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso.
A pessoa manifesta no riso aquilo que é e num instante conhece-se todos os seus segredos.

[Fiodor Dostoievski em, O Adolescente]

20.9.07

Da arte de fazer visitas


Sempre que o convidavam a uma casa,

perguntava-lhes se podia ir com outra pessoa.
Combinado!
Deixava então os outros conversarem à vontade,
enquanto ele fingia que estava escutando.

[Mario Quintana]

17.9.07

Não é que com a idade que você aprende muitas coisas;
mas você aprende a ocultar melhor o que ignora.

[Millôr Fernandes]

4.9.07


Eu queria que chovesse uma chuva bem fininha,
para molhar sua cama e você dormir na minha.


[Trova popular]

2.9.07

Desejo

Desejo a você...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel...
E muito carinho meu.

[Desejo, Carlos Drummond de Andrade]

30.8.07

De quem nos ama, esperamos, sobretudo um pouco de tempo.

[Georges Bernanos]

26.8.07


O que era isso,
que a desordem da vida podia
sempre mais que a gente?


[João Guimarães Rosa em, Grande Sertão, Veredas]

25.8.07

Porque a vida
É sempre o que nós queremos.
- Não rias.
Nem penses que vou brincar.
E se ela nos surpreende
Às vezes com alguma coisa, crê-me.
É unicamente
Porque a nós mesmos,
Raras vezes,
Afirmamos em verdade
O que em verdade queremos.

[António Botto]

22.8.07

O tempo que você gosta de perder não é tempo perdido

[Bertrand Russell]

20.8.07

A raiz da pele

Guardo na raiz da pele
os gritos, as emoções,
os desesperos, os medos,
a raiva, o ódio, a perfídia,
os sonhos, as frustrações,
as cicatrizes das feridas
que a vida em mim foi abrindo,
os mistérios, os segredos.

Guardo na raiz da pele
a verdade do que sou.
Deixo que à flor da pele
emirja a máscara, o sorriso,
o jogo de gato-e-rato
onde, estando, nunca estou.

[A raiz da pele, Guilherme de Melo]

19.8.07

A gente é monogâmico
só quando o amor está bom demais.

[Roberto Freire]

18.8.07

Por ter medo, nunca tentava.
Quando tentou, não deu certo.
Sendo assim, desistiu para sempre,
Só sobrou o medo
Porque o medo foi o único que não o deixou.

[Desconheço o autor]


17.8.07

Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale à pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- Sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale à pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

[Dois e dois: quatro, Ferreira Gullar]

16.8.07

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
Nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
Nem o sorriso para os infelizes
Nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
Nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
O nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
A idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
Vigiados pelos próprios olhos
Severos conosco, pois o resto não nos pertence.

[É preciso não esquecer nada, Cecília Meireles]

15.8.07


Anatomia é uma coisa que os homens também têm,
mas que, nas mulheres, fica muito melhor.

[Millôr Fernandes]

14.8.07

Minha solidão não tem nada a ver com a
presença ou ausência de pessoas…
Odeio quem me rouba a solidão
sem em troca me oferecer verdadeira companhia.

[Nietzsche]

13.8.07


Se você não se atrasar demais
posso te esperar por toda a minha vida.

[Oscar Wilde]

12.8.07

Amor de pai

Existe algo ilimitado no amor de um pai,
algo que não pode falhar,
algo no qual acreditar
mesmo que seja contra o mundo inteiro.
Nos dias da nossa infância,
gostamos de pensar
que nosso pai tudo pode;
mais tarde,
acreditaremos que seu amor
pode compreender tudo.

[Desconheço o autor]

11.8.07

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa adormecida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num
ritmo tristonho...
Óh! Meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz a gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

[Quem ama inventa, Mario Quintana]

10.8.07

Resíduo

De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficam poucas
roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.

Mas tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
de teu áspero silêncio
um pouco ficou um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
nos pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
em pouco de mim algures?
no consoante?
no poço

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.

Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,

salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo fica um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
do vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas tudo, terrível, fica um pouco.
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço do cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate


e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,

fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

[Resíduo, Carlos Drummond de Andrade]

9.8.07

Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis
onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos,
o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso,
a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios,
minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu
no dicionário as palavras que poderiam
se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso:
pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios:
meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro,
o aquecedor de água de fogo morto,
mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia,
estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta,
cabelo caindo nos olhos,
botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos,
e que riscava os livros,
mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo,
com os primos que tudo
sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher,
sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras,
comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo
os morros regulares, cortados pelas
barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava
por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio,
os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra,
as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte.


[Joaquim em Os Três Mal-Amados, João Cabral de Melo Neto]

8.8.07

Ai, se eles me pegam agora

Ai, se mamãe me pega agora de anágua e de combinação
Será que ela me leva embora ou não
Será que vai ficar sentida, será que vai me dar razão
Chorar sua vida vivida em vão

Será que faz mil caras feias, será que vai passar carão
Será que calça as minhas meias e sai deslizando pelo salão
Eu quero que mamãe me veja pintando a boca em coração
Será que vai morrer de inveja ou não

Ai, se papai me pega agora abrindo o último botão
Será que ele me leva embora ou não
Será que fica enfurecido será que vai me dar razão
Chorar o seu tempo vivido em vão

Será que ele me trata à tapa e me sapeca um pescoção
Ou abre um cabaré na lapa e aí me contrata como atração
Será que me põe de castigo será que ele me estende a mão

[Ai, se eles me pegam agora, Chico Buarque]

7.8.07

Cantiga para não morrer

Quando você for embora
Moça branca como a neve,
Me leve.

Se acaso não possa
Me carregar pela mão,
Menina branca de neve,
Me leve no coração

Se no coração não possa
Por acaso me levar,
Moça de sonho e de neve,
Me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
Por tanta coisa que leve
Já viva em seu pensamento,
Menina branca de neve,

Me leve no esquecimento.

[Cantiga para não morrer, Ferreira Gullar]