31.12.07

No ano que vem

No ano que vem
vou fazer um check-up,
reformar os meus ternos,
vou trocar os meus móveis
viajar no inverno.
Como convém.

No ano que vem
vou tratar dos meus dentes,
vou limpar o porão
procurar novo emprego
e trocar o meu carro
e largar o cigarro.
Como convém.

E vou me converter
no ano que vem
registrar a escritura,

vou pagar a promessa
e andar mais depressa

e fazer um regime
neste ano que vem.
Como convém.

No ano que vem
vou pagar minhas dívidas,
apagar minhas dúvidas,
viajar para a França,
estudar esperanto
e escrever pra você.
Como convém.

Se não der, no entanto,
neste ano que vem,
vou deixar de cobrança
do que fiz ou não fiz.
Neste ano que vem,
quero, como convém,
ser, apenas, feliz.

[No ano que vem, Sérgio Antunes]

25.12.07

Poema de Natal



Para isso fomos feitos:
Para lembrar e sermos lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre os túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não se esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos imensamente.


[Poema de Natal, Vinícius de Moraes]

22.12.07

É verão...

Assim é o verão
Dez por cento de roupa
Noventa de excitação.

[Luiz Poeta]

21.12.07

Vontade de percorrer o teu sorriso,
nem que seja só com o olhar.

20.12.07

A alma dos diferentes


Ah, o diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser.

Esse é um imitador do que
ainda não foi imitado,
nunca um ser diferente.

Diferente é quem foi dotado
de alguns mais e de alguns menos em hora,
momento e lugar errados para os outros.

Que riem de inveja de não serem assim.

E de medo de não agüentar,
caso um dia venham a ser.
O diferente é um ser sempre
mais próximo da perfeição.

O diferente nunca é um chato.
Mas é sempre confundido
por pessoas menos sensíveis e avisadas.
Supondo encontrar um chato
onde está um diferente,
talentos são rechaçados;
vitórias, adiadas;
esperanças, mortas.

Um diferente medroso, este sim,
acaba transformando-se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.

Os diferentes muito inteligentes
percebem porque os outros
não os entendem.

Os diferentes raivosos
acabam tendo razão sozinhos,
contra o mundo inteiro.

Diferente que se preza entende
o porquê de quem o agride.

Se o diferente se mediocrizar,
mergulhará no complexo de inferioridade.

O diferente paga sempre o preço de estar
- mesmo sem querer -
alterando algo, ameaçando rebanhos,
carneiros e pastores.
O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual,
a inveja do comum, o ódio do mediano.

O verdadeiro diferente
sabe que nunca tem razão,
mas que está sempre certo.

O diferente começa a sofrer cedo,
já no primário, onde os demais, de mãos dadas,
e até mesmo alguns adultos,
por omissão, se unem para transformar
o que é peculiaridade e potencial
em aleijão e caricatura.
O que é percepção aguçada em:
“Puxa, fulano, como você é complicado”.
O que é o embrião de um estilo próprio em:
“Você não está vendo como todo
mundo faz?”

O diferente carrega desde cedo apelidos
e marcações os quais acaba incorporando.
Só os diferentes mais fortes do que o mundo
se transformaram (e se transformam)
nos seus grandes modificadores.

Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais
começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona
enquanto todos em torno,
agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco;
chora onde outros xingam;
estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem.
Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.

Diferente é o que fica doendo
onde a alegria impera.
Aceita empregos que ninguém supõe.
Perde horas em coisas que
só ele sabe importantes.
Engorda onde não deve.
Diz sempre na hora de calar.
Cala nas horas erradas.
Não desiste de lutar pela harmonia.
Fala de amor no meio da guerra.
Deixa o adversário fazer o gol,
porque gosta mais de jogar do que de ganhar.

Ele aprendeu a superar riso,
deboche, escárnio,
e consciência dolorosa de
que a média é má porque é igual.

Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados,
magros demais, inteligentes em excesso,
bons demais para aquele cargo,
excepcionais, narigudos, barrigudos,
joelhudos, de pé grande, de roupas erradas,
cheios de espinhas, de mumunha,
de malícia ou de baba.

Aí estão, doendo e doendo,
mas procurando ser,
conseguindo ser,
sendo muito mais.

A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes
que eles guardam para os pouco capazes
de os sentir e entender.
Nessas moradas estão
tesouros da ternura humana.
De que só os diferentes são capazes.

Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte
para suportá-lo depois.

[A alma dos diferentes, Artur da Távola]

19.12.07

Ensinamento

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
"coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

[Ensinamento, Adélia Prado]

18.12.07

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que acharem conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto, tudo e todos...
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar o meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua tocha
Sim, eu estarei aqui.

[Leminski]

17.12.07

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

[Os poemas, Mario Quintana]

16.12.07

São de nada
tempestades
ante a falta
que me fazes

[David Mourão Ferreira]

15.12.07

Deus te proteja pela onda de alegria
que me invade todo o dia quando encontro com você...

14.12.07

Um excesso de vez em quando é bom.
Impede a moderação de se tornar um hábito.

[Somerset Maugham]

13.12.07

Não vejo por que não começaria, arbitrariamente, por mostrar que a propósito das coisas mais simples é possível fazer discursos infinitos, inteiramente compostos de declarações inéditas, enfim, que a propósito de qualquer coisa não só ainda não se disse tudo, mas praticamente tudo está por dizer.

[Francis Ponge]

12.12.07

Da arte do ócio...

Gosto da palavra "indolência"!
Dá classe à minha preguiça.

[Bern Williams]

11.12.07

Quero me casar

Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho

Depressa, que o amor
não pode esperar!

[Quero me casar, Carlos Drummond de Andrade]

10.12.07

A arte de ler

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha.
Neste
momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

[A arte de ler, Mario Quintana]

9.12.07

O objeto amado me surge como por engano
e nunca sei se esse engano persiste,
porque o amor que me invade
sempre ultrapassa o que amo.

[Antonio Carlos Mattos]

8.12.07

A Vida, segundo Niels Lyhne

I
A verdade é que a vida não vale lá grande coisa, não achas?

- Ah! Não sei... A mim não me preocupa o seu valor. Em geral, ninguém vive realmente a sua vida. A maior parte do tempo a gente apenas existe.

II
Há homens que vivem como se viver fosse a coisa mais natural do mundo.


[Trechos de carta a Edvard Brandes, escrita por Jacobsen em 14 de março de 1873 - Jens Peter Jaconsen, Niels Lyhne, p. 209 e p.7, respectivamente (Cosacnaify)]

7.12.07

As pessoas nos ganham e nos perdem
pelo simples fato de nos surpreenderem.

[Karen/Heny]

6.12.07

Eu sempre amarei a falsa imagem que tive de você.

[Ashleigh Brilliant]

5.12.07

Sabe de que material somos feitos?
Do mesmo que compõe os nossos sonhos.

[Romeu e Julieta, Shakespeare]