26.6.07

A verdade é a melhor camuflagem.
Ninguém acredita nela.

[Max Frisch]

25.6.07

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades;
mudam-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades,
continuamente vemos qualidades
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança
e do bem (se algum houve...) a saudade.

[Camões]

24.6.07

O que o vento não levou

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

[Mario Quintana]

23.6.07

As ondas são realmente uma boa companhia,
tão depressa chegam como partem.

[Charles de la Folie]

22.6.07

Clima-X

Quando, agonizantes, gozamos,
transcendemos
essa história de ser mulher
ou ser marido:
É como se você fosse terra
e eu tivesse chovido.

[Clima-X, Aldir Blanc]

21.6.07

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma, calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

[Paulo Leminski]

20.6.07

O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

[O amor antigo, Carlos Drummond de Andrade]

19.6.07

Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? O amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

[Segredo, Carlos Drummond de Andrade]

18.6.07

União Anarquista

Eu prometo não te prometer nada
Nem te amar para sempre
Nem não te trair nunca
Nem não te deixar jamais
Estou aqui, te sinto agora
sem máscaras nem artifícios
e enquanto for bom para os dois
que o outro fique
Nada a te oferecer exceto eu mesmo
Nada a te pedir exceto que sejas quem tu és
A verdade é o que temos de melhor
para compartilhar um com o outro
Tuas coisas continuam tuas
e as minhas, minhas
Não nos mudaremos na loucura de tornar eterno
esse breve instante que passa
Se crescermos juntos,
ainda que em direções opostas,
saberemos nos amar como somos
e não teremos medo ou vergonha um do outro
Não te prendo e não permito que me prendas
Nenhuma corrente pode deter o curso da vida
Quero que sejas livre como eu próprio quero ser
Companheiros de uma viagem
que está começando
cada vez que nos encontramos novamente

[União Anarquista, Geraldo Eustáquio de Souza]

17.6.07


A ingenuidade dos que amaram
sem nunca dizer nada
...
dos que foram amados
sem saber

16.6.07

Um homem com uma dor

um homem com uma dor
é muito mais elegante

caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante

[Um homem com uma dor, Leminski]

15.6.07

O espírito muitas vezes
morre de tédio dentro de nós.

[Charles de la Folie]

14.6.07

Vive a vida o mais
intensamente que puderes.
Escreve essa intensidade o
mais calmamente que puderes.
E ela será ainda mais intensa no
absoluto do imaginário de quem te lê.

[Vergílio Ferreira]

13.6.07

24H

Eu ainda acho cada dia que passa
demasiado curto
para todos os pensamentos que quero ter,
para todos os passeios que quero dar,
para todos os livros que quero ler e
para todos os amigos que quero ver.

[24H, John Burroughs]

12.6.07

Canção para uma valsa lenta


Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance,
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende

De um sorriso... de um gesto... um olhar...


[Canção para uma valsa lenta, Mario Quintana]

11.6.07

Circulação

Estou diariamente à tua espera
Como quem espera um astro pela noite.
Defino-te em segredos.
Revejo-te na memória.
Desenho a tua fronte nas estrelas.
Invejo-te.
Construo a tua boca sem palavras.
Construo este silêncio em que me prendo.

[
Circulação, João Rui de Sousa]

10.6.07

O Velho e o Moço

O Velho e o Moço, essa sensível composição de Rodrigo Amarante, é mais um dos típicos diálogos característicos das canções dos Hermanos. A primeira fala é o velho e depois o moço.
O que chama a atenção é a simetria do diálogo, as falas do moço complementam as do velho ao mesmo tempo que parece ser a mesma pessoa, antes e depois, e não as duas primeiras. Criação maravilhosa. Espero que voltem, e logo.


Deixo tudo assim.
Não me importo em ver a idade em mim,
Ouço o que convém.
Eu gosto é do gasto.

Sei do incômodo e ela têm razão
Quando vem dizer que eu preciso sim
De todo o cuidado.

E se eu fosse o primeiro
A voltar pra mudar o que eu fiz.
Quem então agora eu seria?

Ahh tanto faz! E o que não foi não é,
Eu sei que ainda vou voltar...
Mas, eu quem será?

Deixo tudo assim, não me acanho em ver
vaidade em mim.
Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.

Sei do escândalo e eles têm razão.
Quando vem dizer que eu não sei medir,
nem tempo e nem medo.

E se eu for o primeiro
a prever e poder desistir do que for dar errado?

Ahhh, ora, se nao sou eu quem mais vai decidir
o que é bom pra mim?
Dispenso a previsão.

Ahhh, se o que eu sou é tambem
o que eu escolhi ser aceito a condição.

Vou levando assim.
Que o acaso é amigo do meu coração
Quando falo comigo, quando eu sei ouvir...

[O velho e o moço, Rodrigo Amarante - Los Hermanos]

9.6.07

O sorriso


Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


[O sorriso, Eugénio de Andrade]


8.6.07

Revelação

Eu me esqueci no armário.

Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!

Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.

Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado.

[Revelação, Fabio Rocha]

7.6.07

Antes que eu te deixe

Antes que eu te deixe
Deixa eu dar um gole em você
Ficar de porre até o verão
Deixe uma dúzia de carinho
Do mais terno
Que dure todo o inverno

Me conte um sonho
Vou sonhar no outono
Depois me deixe ir
Se puder me espera
Volto quando acabar a primavera

[Antes que eu te deixe, Alice Ruiz]

6.6.07

Ninguém me habita

Ninguém me habita.
A não ser o milagre da matéria
que me faz capaz de amar,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.

Ninguém me habita.
Sozinho resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.

[Ninguém me habita, Thiago de Mello]

5.6.07

A solidão

A solidão sempre aparece com beijos e bombons.
A solidão faz visitas irregulares a seus amigos íntimos.
A solidão procura o inverno em pleno verão.
A solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar.
A solidão vive sorrindo para desconhecidos.
A solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão.
A solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis.
A solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta.
A solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de vidro.
A solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza.
A solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero.
A solidão adora esconde-esconde e amarelinha.
A solidão coleciona diários e discos do Coltrane.
A solidão usa pijamas de bolinha e óculos quebrados.
A solidão depois do sexo ainda se sente sozinha.
A solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
depois sai chapada pelas ruas com uma folha de alface
na lapela.

[A solidão, Rodrigo Garcia Lopes]

4.6.07

Corridinho

O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.

O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.

[Corridinho, Adélia Prado]

3.6.07

A vida é o que acontece enquanto
estamos pensando em outra coisa.

[Oscar Wilde]

2.6.07

Sorte no jogo
Azar no amor
De que me serve
Sorte no amor se o amor é um jogo
E jogo não é meu forte meu amor?

[Leminski]

1.6.07

Tu que sofres porque amas, ama ainda mais.
Morrer de amor é viver dele.

[Victor Hugo]