31.10.08
O amor e seus contratos
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
de enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a pendurar
até o mundo acabar
e mesmo depois – diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
Experiência de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recomponho.
São todas - digo tristonho –
feitas de sonho e de vento.
[O Amor e seus contratos, Carlos Drummond de Andrade]
30.10.08
Banho das seis
Que prazer te conhecer
Eu gostei do teu olhar
Colorindo a rua toda
Vi da passagem a luz do sol
De repente a devolver
Toda luz que vem da terra
Tem diferença entre ter
E fazer tudo rodar
Pela troca de harmonia
Hey, depois do banho das seis
Eu preciso te falar
Pra contar da nossa vida
Se todo mundo somos nós
Nossa força nossa voz
[Banho das Seis, Daniel Lucena - Expresso Rural]
29.10.08
28.10.08
27.10.08
26.10.08
Futuros Amantes
Mais uma obra prima de Chico, no vídeo extraído do especial que o filho do Sérgio Buarque de Holanda gravou para a Band, por ocasião do lançamento do ábum Paratodos em 1993, ele explica o momento de inspiração que o levou a criar a letra de Futuros Amantes, que tem a cidade maravilhosa como fundo e fala de um amor não correspondido, mas nos consola ao imaginarmos que um dia ele será usado...
Bela letra, linda canção!
"Eu tava mexendo no violão, começando a fazer a melodia, e a primeira imagem que apareceu foi exatamente esta: uma cidade submersa, isolada de tudo. Porque, cantarolando, parecia que a música queria dizer isso. Eu tinha que ir atrás da explicação dessa cidade submersa. Aí eu coloquei os escafandristas, e surgiu a história de um amor adiado, um amor que fica para sempre. Essa idéia do amor como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor ficará até debaixo d'água. Um amor que vai ser usado por outras pessoas, um amor que não foi utilizado porque não foi correspondido, e então ele fica ímpar, pairando... Esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor".
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
25.10.08
20.10.08
13.10.08
Já pensou
Já pensou se eu nascesse sem sala,
Já pensou se eu nascesse sem Sol,
Nascesse sem bola,
Sem Copacabana,
Já pensou se eu nascesse sem mar
Nascesse sem Rio ou sem a Bahia,
Já pensou se eu nascesse sem cor,
sem esse sorriso e essa alegria
Já pensou se eu não fosse essa graça,
não fosse essa raça, o que seria?
Já pensou se não fosse essa garra
e essa coragem e essa energia,
Já pensou se não fosse essa fé,
não fosse o que é, o que seria?
Já pensou esse País inteiro,
que o melhor do Brasil,
é o povo brasileiro.
[Já pensou, Nizan Guanaes]
4.10.08
Felicidade
E a saudade do meu peito inda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora
A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo
Quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa
Quando começa a pensar
[Felicidade, Lupicínio Rodrigues]
2.10.08
Para o Zé
toda vida quis e não sabia,
eu já amava de estremoso amor,
o peixe, a mala velha, o papel de seda e
os riscos do bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe
- os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as
quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate.
Eu te amo, homem, amo o teu coração,
o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de
tuas unhas perdidas nas casas que habitamos
os fios de tua barba. Esmero.
Pego tua mão, me afago, viajo
pra ter saudade, me calo,
falo em latin pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma,
onde apascentas o teu gado,
onde repousas ao meio-dia, para que
eu não ande vagueando atrás dos
rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem.
O que a memória ama fica eterno.
Te amo com a memória imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor.
Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição
de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos, o vento,
Eu te amo, homem, exatamente como amo
o que acontece quando escuto oboé.
Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos
pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro
que assim te amo, o que não queria dizer
amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural,
vero-romântico, homem meu,
particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar,
os alvos linhos, a luz na cabeceira,
o abajur prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo os teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
[Para o Zé, Adélia Prado]