24.1.10

No instante em que um homem se convence 
que é interessante, ele deixa de sê-lo.

[Stephen Leacock]

23.1.10

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus


[Eugénio de Andrade]

22.1.10

O que desejei às vezes

O que desejei às vezes
Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!

Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!

Tão pouca que nem existe!

De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste.

[O que desejei às vezes, António Botto]

21.1.10

Minha alma é uma orquestra oculta: não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.

[Fernando Pessoa]

20.1.10

Madrigal muito fácil

Quando de longe te vi,
Quando de longe te via,
Gostei logo bem de ti.
Como é bonita! eu dizia.

Mas por enganar aquilo
Que dentro de mim senti,
Que dentro de mim sentia,
Pensei de mim para mim
Que a distância é que fazia
Me pareceres assim.

Não era a distância não!
Pois chegou aquele dia
Em que te apertei a mão
Sem saber o que dizia.
E vi que eras mais bonita
Do que para o meu sossego
A distância te fazia.

Quanto mais de perto, mais
Bonita, era o que eu dizia!
E desde então imagino
Que mais linda te acharia,
Mais fresca, mais desejável
Mais tudo enfim, se algum dia
- Dia ou noite que marcasses –
Se algum dia me deixasses
Te ver de mais perto ainda!

[Madrigal muito fácil, Manuel Bandeira]

19.1.10

O enterrado vivo

É sempre no passado aquele orgasmo,

é sempre no presente aquele duplo,

é sempre no futuro aquele pânico.


É sempre no meu peito aquela garra.

É sempre no meu tédio aquele aceno.

É sempre no meu sono aquela guerra.


É sempre no meu trato o amplo distrato.

Sempre na minha firma a antiga fúria.

Sempre no mesmo engano outro retrato.


É sempre nos meus pulos o limite.

É sempre nos meus lábios a estampilha.

É sempre no meu não aquele trauma.


Sempre no meu amor a noite rompe.

Sempre dentro de mim meu inimigo.

E sempre no meu sempre a mesma ausência.


[O enterrado vivo, Drummond]

1.1.10

Feliz Ano Novo!

Todos temos motivos para festejar o Ano-Novo.
Sobrevivemos ao velho.

[Lothar Schmidt]