31.7.08

Madrigal tão engraçadinho


Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje
na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia
que me deram quando eu tinha seis anos.


[Manuel Bandeira]

22.7.08

Transforma-se o amador na coisa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semidéia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como idéia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

[Camões]

17.7.08

Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

[Poesia Matemática, Millôr Fernandes, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo]

16.7.08

Busquei abrigo num quiosque, e me perguntei se
algum dia saberia viver longe do mar,
em cidade que não terminasse assim num acidente,
mas agonizando para todos os lados.

[Chico Buarque, no livro Budapeste]

15.7.08



Porque todas as vezes que vieste, abria-se um sorriso no dia e o tempo era ao revés e manso e branco e tudo mais já não envelhecia e algo de insano permeava as coisas e meus cabelos eram novamente longos e tuas mãos eram outra vez macias e eu te olhava nos olhos sem precisar dizer que te amava e tu entendias.
Porque todas as vezes que me amaste, rompiam-se os derradeiros do mundo, era eu uma pessoa bêbada da mais louca alegria e tu me abraçavas como quem acarinha asas de um pássaro mudo e eu te beijava a boca como quem se agarra tonta a um infinito de tudo.
Porque todas as vezes que voltaste, fenecia a razão embotada na memória dos sentidos, eu te dizia mil vezes que a vida muita em mim sempre fora tua e que de modo algum deverias nos ter perdido.

[Patrícia Antoniete]

14.7.08

Não há uma fatalidade exterior. Mas existe uma fatalidade interior: há sempre um minuto em que nos descobrimos vulneráveis; então, os erros atraem-nos como uma vertigem.
 
[Antoine de Saint-Exupéry]

13.7.08

Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania.
Depende de quando e como você me vê passar

[Clarice Lispector]

12.7.08

Amante das letras

Não te importas com os homens que dormem comigo;
mas morres de ciúme
dos versos que faço pra eles...

[Leila Mícollis]

11.7.08


A diferença total entre construção e criação é esta
- uma coisa construída pode ser amada somente depois que
é feita, mas uma coisa criada é amada antes de existir.

[G. K. Chesterton]

10.7.08

O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa.

[Mário Quintana]

9.7.08

Seria muito bom se a gente pudesse botar
a dor num envelope e devolvê-la ao remetente.

[Carlos Guerra]

8.7.08

Perdoa a teus inimigos: nada os chateia tanto!

[Oscar Wilde]

7.7.08

Não quero amar,
não quero ser amado.
não quero combater,
não quero ser soldado.
- quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples

[Manuel Bandeira, trecho de Belo Belo]

6.7.08

Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

[Paulo Leminski]

5.7.08

Dói-me qualquer sentimento que desconheço;
falta-me qualquer argumento não sei sobre o quê;
não tenho vontade nos nervos.
Estou triste abaixo da consciência
e escrevo estas linhas realmente mal notadas,
não para dizer isto,
nem para dizer qualquer coisa,
mas para dar trabalho à minha desatenção.

[Fernando Pessoa]