31.10.07
Balada dos casais
Os casais são tão iguais, por isto se beijam fazem filhos, se separam prometendo não se casarem jamais.
Os casais são tão iguais que além de trocar fraldas, tirar fotos, acabam se tornando avós e pais.
Os casais são tão iguais que se amam e se insultam e se matam na realidade e nos filmes policiais.
Os casais são tão iguais que embora jurem um ao outro amor eterno sempre querem mais.
[Balada dos casais, Affonso Romano de Sant'Anna]
30.10.07
29.10.07
28.10.07
A hora íntima
Se eu morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbado, corará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar as pétalas?
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Po motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu morrer de amores?
[A hora íntima, Vinícius de Moraes]
24.10.07
22.10.07
Açúcar emprestado
Vizinhos de porta, ele o 41 e ela o 42.
Primeiro lance: ela. Bateu na porta dele e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim.
Segundo lance: ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era co-autor.
Terceiro lance: ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito para não derramar a calda.
- Não repara a bagunça...
- O meu é pior.
- Você mora sozinha?
Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois de se mudar. A do 42? Dona Celinha? Mora sozinha. Morava com a mãe mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco... E o porteiro fizera um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco.
A conversa começou com apresentações e troca de informações - "Nélio", "Celinha", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também" - e continuou enquanto comiam todo o pudim, que estava ótimo. Mas quando ela disse "Como a gente se entendeu bem, né?", cobrindo a mão dele com a dela, ele decidiu dar um lance preventivo e declarou que não queria envolvimentos em sua vida. Queria ser um homem sem envolvimentos. Entende? Sua decisão de vida era não ter envolvimentos.
- Como, envolvimentos? - perguntou ela.
- Envolvimentos - explicou ele.
Antes de sair, com a cara amarrada, ela disse:
- Me empresta uma gilete?
- Gilete? Eu não uso gilete.
- Não faz mal, eu tenho em casa.
E saiu, pisando firme e sem olhar para trás.
Uma hora depois, bateu na porta.
- Esqueci o prato do pudim.
Ele viu que ela tinha cortado os pulsos. O sangue pingava nas lajes do corredor.
- O que é isso?!
E todo o tempo, enquanto ele estancava a sangueira da melhor maneira possível, e a colocava no seu carro, e a levava em disparada para o hospital, ela só repetia:
- Ué, não era você que não queria envolvimentos? Não era você?
[Luís Fernando Veríssimo, Açúcar emprestado]
19.10.07
18.10.07
16.10.07
10.10.07
9.10.07
Ambigüidade
Se são bons os meus poemas?
Não saberia dizer
Tudo vai depender do ambiente onde eles forem viver.
8.10.07
Canções do mundo acabado
Somente por te avistarem
de uma tão grande distância
De altos mastros ainda rondo
tua lembrança nos ares
O resto é sem importãncia
Certamente não há nada
de tí, sobre este horizonte
desde que ficaste ausente
Mas é isso que me mata
Sentir que estás não sei onde
mas sempre na minha frente
Não acredites em tudo que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante
Quando não parece, é muito
quando é muito, é muito pouco
e depois nunca é bastante
Foste o mundo sem ternura
em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua
Água salgada me escuta
e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua,
A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar
Por que o tempo sempre foi
longo pra me esqueceres
e curto pra te amar...
[Canções do mundo acabado, Cecília Meireles]
4.10.07
Certos Amigos
Uma canção linda, a melodia delicada tenta expressar o sentimento indescritível que possuem cada uma dessas palavras, composta por Daniel Lucena.
Quando esse trem de alegria vara a vida da gente
sempre que a estação mais perto é o nosso coração
difícil se saber na hora o que a gente sente
Se certos amigos nos mostram que o mundo ainda é bom
Por saber,
Que tendo você do meu lado eu me sinto mais forte
Quero beijar o teu rosto e pegar tua mão
Se cada estrela no céu é um amigo na terra
A força do acaso do encontro é uma constelação
Lumiar,
De que planeta você é?
Eu faço o que você quiser em troca do teu amor
Posso te dar o que eu sou, amigo é um cobertor
Bordado de estrelas, de estrelas.
Constelação, nave louca
A vida é pouca e o que vale é se querer
[Certos Amigos, Daniel Lucena - Expresso Rural]