2.10.08

Para o Zé

Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu já amava de estremoso amor,
o peixe, a mala velha, o papel de seda e
os riscos do bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe
- os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as
quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate.
Eu te amo, homem, amo o teu coração,
o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de
tuas unhas perdidas nas casas que habitamos
os fios de tua barba. Esmero.
Pego tua mão, me afago, viajo
pra ter saudade, me calo,
falo em latin pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma,
onde apascentas o teu gado,
onde repousas ao meio-dia, para que
eu não ande vagueando atrás dos
rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem.
O que a memória ama fica eterno.
Te amo com a memória imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor.
Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição
de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos, o vento,
Eu te amo, homem, exatamente como amo
o que acontece quando escuto oboé.
Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos
pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro
que assim te amo, o que não queria dizer
amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural,
vero-romântico, homem meu,
particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar,
os alvos linhos, a luz na cabeceira,
o abajur prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo os teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.

[Para o Zé, Adélia Prado]

Um comentário:

Anônimo disse...

Também quero amar assim.......:)
Lindo....