31.10.08

O amor e seus contratos

Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
de enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a pendurar
até o mundo acabar
e mesmo depois – diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
Experiência de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recomponho.
São todas - digo tristonho –
feitas de sonho e de vento.

[O Amor e seus contratos, Carlos Drummond de Andrade]

Um comentário:

Anônimo disse...

Não tinha pensado assim ainda......
Lindo!!!