22.4.07

Intimidade...

Houve um tempo, crianças, em que a gente não falava de sexo
como quem fala
de um pedaço de torta. Ninguém dizia Fulano
comeu Beltrana, assim, com essa
vulgaridade. Nada disso.
Fulano tinha dormido com ela. Era este o verbo. O
que os dois
tinham feito antes de dormir, ou ao acordar, ficava

subentendido. A informação era esta, dormiram juntos, ponto.
Mesmo que eles
não tivessem pregado o olho nem por um instante.

Lembrei desta expressão ao assistir Encontros e Desencontros.
No filme,
Bill Murray e Scarlett Johansson fazem o papel de
dois americanos que
hospedam-se no mesmo hotel em
Tóquio e têm em comum a insônia e o
estranhamento: estão
perdidos no fuso horário, na cultura, no idioma, e
precisando
com urgência encontrar a si mesmos. Cruzam-se no bar.
Gostam-se.
Ajudam-se. E acabam dormindo juntos.
Dormindo mesmo. Zzzzzzzzzzz.


A cena mostra ambos deitados na mesma cama, vestidos,
conversando, quando
começam a apagar lentamente, vencidos
pelo cansaço. Antes de sucumbir ao
mundo dos sonhos,
ele ainda tem o impulso de tocar nela, que está ao seu
lado,
em posição fetal. Pousa, então, a mão no pé dela, que está
descalço.
E assim ficam os dois, de olhos fechados, capturados
pelo sono, numa
intimidade raramente mostrada no cinema.

Hoje, se você perguntar para qualquer pré-adolescente o que
significa se
divertir, ele dirá que é beijar muito.
Fazer campeonato de quem pega mais.
Beijar quatro, sete, treze.
Quebram o próprio recorde e voltam pra casa
sentindo um
vazio estúpido, porque continuam sem a menor idéia do que
seja
um encontro de verdade, reconhecer-se em outra pessoa,
amar alguém
instintivamente, sem planejamento.
Estão todos perdidos em Tóquio.


Intimidade é coisa rara e prescinde de instruções. As revistas
podem até
fazer testes do tipo: "descubra se vocês são íntimos,
marque um xis na
resposta certa", mas nem perca seu tempo,
a intimidade não se presta a
fórmulas, não está relacionada a
tempo de convívio, é muito mais uma
comunhão instantânea e
inexplicável. Intimidade é você se sentir tão à

vontade com outra pessoa como se estivesse sozinho.
É não precisar
contemporizar, atuar, seduzir.
É conseguir ir pra cama sem escovar os
dentes, é esquecer
de fechar as janelas, é compartilhar com alguém um

estado de inconsciência.
Dormir juntos é muito mais íntimo que sexo.


[Martha Medeiros]

2 comentários:

Anônimo disse...

Texto incrivelmente lindo e verdadeiro!!
Eu lí um texto parecido, não sei aonde, esses dias atrás... vou procurar!!

=****

Unknown disse...

*palmas palmas palmas*

Liiindo o texto! Essa Martha é demais! E você também por divulgar o trabalho desconhecido pela maioria dela!

Amei, MB! E a foto acima também. Tocante e inocente!

=***